quarta-feira, 9 de maio de 2018

CAIÇARA – A luta do Velho Pescador

CAIÇARA – A luta do Velho Pescador - (tirado de uma postagem da internet)

A Cultura Caiçara originou-se da miscigenação Cultural do Branco Colonizador, Índio e do Negro escravo nas terras hora colonizadas pelos Europeus, em nossa região, particularmente, pelos Portugueses, Franceses e algumas famílias Inglesas. Uma cultura ímpar, que ao longo de várias décadas de história de povoamento do nosso litoral se adaptou em um convívio harmonioso e cúmplice com a Mata, nascentes que brotam de olhos d’água da exuberante Mata Atlântica, com o Mar que é o sentido maior de suas vidas, onde tira dele o alimento, a lida com as mudanças do clima e observa-se as horas, dias e anos de uma vida costurada junto as redes de pesca.
Ser caiçara, é respeitar o tempo da natureza, é observar o desabrochar das flores, a mudança súbita do tempo e suas estações. É ter a sabedoria de caminhar em consonância com o desenrolar da Mãe Natureza e ter a certeza de que ela dita o tempo de plantar, colher, podar e tirar de sua criação o alimento que irá manter viva a esperança de um Povo que aprendeu a viver entre a Serra e o Mar observando de um modo único a vida e sua passagem.
Dentre as atividades de convívio com a natureza, o Caiçara desenvolveu a técnica da pesca, aprendida com os Índios, que em redes, varas, linhas e outros métodos que não estão em livros, há centenas de anos ele faz perpetuar uma herança que alimentou o corpo e a alma e aos poucos vai se apagando e ficando cada dia mais saudosista e certamente já aparecem em livros para dizer que “um dia em um lance de rede o caiçara do Itaguá matou alguns milhares de tainha”.
Para o Homem do Mar, preparar seus apetrechos de pesca é um ritual de sabedoria e zelo e de profundo respeito à criação e às forças da natureza.
O Homem do Mar é conhecedor das mudanças do tempo, da época da desova, da melhor corda para se costurar sua rede, das correntes que vem de leste ou de sul, mas sobremaneira ele reconhece que o Mar é bondoso e maior que suas necessidades e por ele o Pescador tem profunda admiração e respeito.
Seu Joel. Foto de internet
Há 67 anos, um caiçara nascido em Trindade, comunidade que faz divisa com Ubatuba, pertencente ao Estado do Rio de Janeiro, aprendeu desde menino às técnicas de pesca com seu pai e ao longo dos dias que viriam tornou-se um pescador e dedicou sua vida ao Mar, dele alimentou suas necessidades, de sua esposa e de 4 filhos.
Joel Teixeira há 43 anos dedica sua vida de pescador em um cerco de pesca localizado na Praia do Sul da Ilha Anchieta, hoje com esse nome, mas para os antigos pescadores de Ubatuba sempre será a Ilha dos Porcos.
Meu Deus, como é bonito de se ver um homem com simplicidade, garra e força, dedicar a maior parte de sua vida ao ofício da pesca. Para aqueles que o conhecem, jovens e idosos pescadores, o “Seu” Joel faz isso com prazer, sabedoria, amor e muito respeito pela Mãe Natureza.
Um homem que não teve condições de estudo em sua mocidade, tempos idos e difíceis de se viver em um litoral afastado e esquecido entre a mata e o mar. Mas tais dificuldades nunca fizeram um caiçara se esmorecer frente suas dificuldades, ao contrário, sempre agradeceu a Deus por sua saúde e mais um dia de vida, que para uma pessoa simples é a maior riqueza que um homem pode ter.
Por falar em juventude, aos 23 anos o “Seu” Joel inicia então sua dura jornada de deixar no continente sua família e se lançar ao mar, onde no cerco da Praia do Sul diariamente la ele estava consertando uma rede, limpando a praia, recebendo poucos visitantes que por lá passavam e cúmplice na manutenção da riqueza ambiental do lugar.
O tempo é Rei e assim rege nossos dias. Passaram-se os anos de pesca do “Seu” Joel e 7 anos depois, em 1977, foi criado o Parque Estadual da Serra do Mar e a Ilha Anchieta torna-se Unidade de Conservação.
Com a criação da Unidade, Leis foram impostas para o uso da área que passa a ser do Governo do Estado de São Paulo, mas que não vieram interferir no trabalho do Homem do Mar, onde as Leis encontraram no simples pescador um apoio às suas pretensões de preservação ambiental e o convívio harmonioso com as tradições caiçaras, nesse caso, o cerco de Pesca Artesanal. E aí a vida continuou a passar entre o mar, a mata e agora juntamente com as Leis.

É certo e inquestionável a necessidade de Preservação Ambiental dos Ecossistemas que compõe o Bioma Mata Atlântica, sendo ele o possuidor da maior biodiversidade do Planeta e que aparece entre os 5 mais ameaçados de desaparecerem.
Nesse diapasão, as comunidades ao longo do litoral Paulista vêm se adequando e reaprendendo a viver e conviver com o meio ambiente e as Leis criadas para a defesa dessa complexa e rica forma de vida.
Temos visto que não foi uma simples tarefa ao longo desses 36 anos de tombamento da Serra do Mar, mas é observado que o povo caiçara tem se esforçado e muitas vezes, com imposições desiguais, tem aceitado a reaprender um novo modo de vida frente à natureza e sua cultura de convívio Homem - Natureza trazida a muitas décadas de história.
Hoje, as grandes discussões não só estão em torno da preservação ambiental, mas sobremaneira na preservação do cidadão, de sua cultura, de sua vida, da sua espiritualidade e principalmente em sua dignidade de vida.
Assim, há que se observar que muito tem se avançado em uma legislação ambiental, mas pouco tem se feito pelas comunidades inseridas em Unidades de Conservação, especificamente voltemos à vida do “Seu” Joel.
De 2012 para cá, uma onda de conversas tomou conta da vida do velho Pescador, hoje com seus cabelos brancos e muitas incertezas de sua permanência no cerco da Praia do Sul, culminando com uma notificação da Fundação Florestal datada de 7 de janeiro desse ano, onde pede ao Velho Pescador que cesse em 5 dias suas atividades pesqueiras.
Triste, sentido e humilhado em sua vida dedicada ao mar e que hoje figura como um infrator, pessoa rejeitada em seu espaço de trabalho e porque não dizer marginalizado em seu ofício e dedicação integral a tudo que aprendeu na vida que foi a pesca.
Começa então a ser “costurada” uma nova história ao Homem do Mar. De posse dessa intimação para desocupar o cerco e retirar da água seus apetrechos, o tempo para, o chão se abre e o que era belo passa a ser nebuloso e sem sentido.
Buscando junto aos amigos uma explicação do que de fato começa a se escrever em sua vida, o velho pescador conseguiu na justiça uma liminar para que continuasse a pescar até que fosse julgada em caráter definitivo sua permanência no cerco, e que o Estado ou a Nação explicasse a ele e a população o porquê do fechamento de mais um cerco nas águas de Ubatuba e o fim de décadas de trabalho e lida com o mar de um Pescador.
No dia 31 do mesmo mês a Justiça de Ubatuba defere o pedido do “Seu” Joel e lhe garante o direito de continuar a pescar, devolvendo ao Pescador novamente o prazer do seu trabalho e o sustento de sua família e companheiros de pesca.
Mas infelizmente certos homens públicos perdem a noção e o poder de seus cargos, e no dia 21 de fevereiro, um servidor do IBAMA retira da água as cordas do cerco do Velho Pescador e como justificativa ainda diz que o Juiz de Direito da cidade era incompetente para determinar ordem em área Federal.  Meu Deus e agora?!
E os dias vão se passando, quase 6 meses e o “Seu” Joel não pode pescar, inclusive muito do seu investimento retirado pelo IBAMA, sabe-se lá onde estão guardados nesse momento.
Aí, as Leis que vieram para caminhar juntamente com as comunidades tradicionais, hoje assombram muito dos verdadeiros donos das terras entre a Serra e o Mar que é o Caiçara.
“Um dia lá em 2007, em uma reunião do Conselho que resolve as coisas na Ilha Anchieta, coloquei meu dedo em um documento que deram o nome de Termo de Compromisso... disseram pra mim que os advogados da Fundação Florestal estavam cientes e que concordavam com o documento, que vinha escrito que eu permaneceria no Sul, onde ali eu fazia a única coisa que eu aprendi na vida que era pescar... disseram que eu seria responsável em cuidar da Praia do Sul, isso eu sempre fiz mesmo e que eu iria participar do turismo sustentável do Parque, que era uma das funções dele...”, comenta o Pescador de suas lembranças frescas de reuniões, leis, conversas, promessas, sabe lá o que mais dizer e principalmente acreditar.
Hoje o “Seu” Joel ainda não pode pescar e a cada dia que passa vê que a possibilidade de retornar ao seu cerco da Praia do Sul da Ilha Anchieta vai ficando mais distante.
O que pensar, o que fazer já nessa idade da vida a não ser pescar? Perguntas sem respostas, burocratas impacientes, mal educados e até grosseiros se esquivam de sentarem em uma mesa coesa, responsável e definitivamente resolver a vida do Homem do mar.
Não, não mesmo, pois o que mais importa no momento é discutir se as águas que circulam a Ilha dos Porcos é de responsabilidade do Estado ou da Nação. O mais importante agora é se “discutir” a elaboração do Plano de Manejo da APA Marinha do Litoral Norte.
Esse sim é um documento que merece atenção, reuniões de horas a fio, gastos de dinheiro público com lanches, alimentação, transporte, contratação de profissionais e tantas outras necessidades que aparecem como urgentes de serem resolvidas.
Pois é “Seu” Joel, esse é o Progresso que atropela a vida e a cultura de um povo, onde assim como o Senhor, tantos outros cercos que existiam em nossa costa foram ao longo dos anos desaparecendo e ficaram na história e memória dos bravos caiçaras pescadores.
Mais tenha fé, pois essa os homens das leis não terão o Poder de tirá-la do Senhor e quem sabe qualquer hora dessas eles precisem do Senhor novamente para limpar a Praia do Sul, protegê-la de caçadores, pois eles nunca tiveram esse trabalho e preocupação com o lugar.
O que resta agora é aguardar a definição da lei, dizendo sim ou não a permanência de um legítimo pescador artesanal em seu trabalho com o cerco.
Tomara que eles tenham a sensibilidade de olhar dentro dos olhos do Velho Pescador e entender o que aquilo significa para ele, ou ao menos o respeito de olhar sua história de vida e ter a certeza que foi responsável em apagar da história dos Homens do Mar páginas que começaram a ser escrita a mais de 300 anos.
                        Marcos Roberto
                     Caiçara e Jornalista

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