Muitas vezes cheguei a encostar o arpão no peixe para espantá-lo e tentar ensinar o bicho a fugir ao invés dele achar que ficando parado não poderia ser visto.
Também muitas vezes quando encontrei um cardume escolhí sempre o peixe entre 3 e 5 quilos, deixando em paz as gordas fêmeas ovadas de 10 ou 15 quilos.
Meu avô, o Dr. Mário, me ensinou a ser justo na pescaria. Aprendí o "fair play" com uns 8 anos numa pescaria de peixe porco no boqueirão da Ilha Anchieta. Era um cardume tão grande de porquinho passando por baixo da chatinha que meu primo pediu o puçá para capturar vários de uma vez. Meu avô então ensinou, "com puçá não meu filho, não é justo com o peixe e não tem graça nenhuma".
Alíás covardia é como muito pescador caiçara mais antigo define a caça submarina "esportiva"que vai buscar a matriz que está tranquila lá na toca dela.
[Mergulhador acaricia um garoupão neste vídeo. Clique aqui.]
Nesse momento ele é muito facilmente abatido apenas para servir como um troféu, pois quem o matou "esportivamente" não faz da pesca seu principal meio de vida, como define a legislação.
Falando em legislação, por que será que o pescador profissional, aquele que depende do peixe para sobreviver material e culturalmente, tem que provar que não tem outro vínculo empregatício, tem que registrar canoa, rede, barco, papagaio anualmente em todos os ministérios e repartições imagináveis além de estar sujeito a uma fiscalização rude e constante; enquanto o amador ou "esportivo" pode entrar em qualquer loja de pesca e sair com um arpão novinho sem registro algum?
De 2004 para cá, a Praia da Enseada começou a ser um polo de maricultura, com a implantação de fazendas marinhas na produção de mexilhões.
Aliás a história da Enseada com a produção de mariscos remonta ao pioneirismo da atividade no Brasil. Tudo começou em 1968 com a primeira experiência do gênero no nosso litoral. Enrique Casalderrey, que conheceu a atividade durante sua infância na Galícia - Espanha, lançou bóias e coletores artificiais na região da Enseada e Ilha Anchieta que empencaram de mariscos. Um ano mais tarde, junto com seu cunhado Roberto Prochaska, eles construíram a primeira balsa de mitilicultura de que se tem registro em águas brasileiras, que foi fundeada em junho de 1970 próximo a praia do sul da Ilha Anchieta.
Outro sub-produto da atividade da maricultura, que lhe confere o status de atividade sustentável é a enorme capacidade que o cultivo tem de gerar vida marinha. Nas estruturas flutuantes ou nas poitas submersas uma imensa quantidade de organismos marinhos encontram abrigo, alimento e condições ideais de reprodução.
São tartarugas marinhas, polvos, lagostas, robalos, pirajicas, meros, chernes, paratis, tainhas, porquinhos, uma infinidade de crustáceos e algas. Ou seja, nossos cultivos tornaram-se um imenso complexo gerador, atrator e exportador de vida marinha para toda a região, contribuindo para a recuperação ambiental de toda a área.
Destes 800 metros de costeira sobrevivem cerca de 15 famílias caiçaras locais por diversas gerações. É deste sítio pesqueiro que a comunidade local retira seu sustento e renova seu saber ancestral e sua cultura Caiçara. Para estes pescadores tradicionais, peixe não é troféu, peixe é vida, cultura e a garantia de que seus valores possam ser transmitidos para as futuras gerações.
Entenda-se que não sou contra a caça submarina ou a pesca amadora, sou contra a atitude de alguns mergulhadores "esportivos" que não respeitam nossos cultivos marinhos nem as áreas reservadas exclusivamente aos pescadores tradicionais, que dependem dos recursos marinhos que ali existem para sobreviver. O mar é muito grande e existe espaço para todos.
Fotos: arquivos das famílias Casalderrey, Prochaska e Németh.
Excelente post.
ResponderExcluirO texto, então, muito bom. Foi escrito com sentimento e muita consciência social e ecológica.