Em 20 e 21 de abril de 1991, foi realizado na Praia da
Picinguaba em Ubatuba, o Seminário “Vila de Picinguaba: propostas para seu
desenvolvimento e preservação”.
Em março de 1992, sob coordenação: Adriana Mattoso e elaboração:
Lucila Pinsard Vianna foi publicado pela SMA e IF o Relatório da Vila de
Picinguaba, documento pioneiro que buscava alternativas para a problemática da
ocupação humana em Unidades de Conservação através de um trabalho conjunto e verdadeiramente
participativo com essas populações para a viabilização de soluções através de
discussões, propostas e decisões. “Ainda dentro dessa perspectiva de participação,
o Seminário foi uma etapa para alcançar o objetivo que visa resgatar nos
moradores atitudes que possibilitem serem eles próprios os defensores do meio
que os circunda”.
Também é corajoso, nesse Relatório, o posicionamento que
critica veementemente a prevaricação do Estado por seus próprios servidores.
A conclusão do relatório do SMA e IF sobre o Seminário já apontava em sua conclusão que, quanto às suas
ações conservacionistas, “o Estado não consegue regulamentar os instrumentos
que aplica”, quer seja por falta de propostas viáveis, por falta de recursos,
por falta de domínio legal sobre o território ou falta de ação planejada. A
importância desse relatório, construído à partir de um seminário com ampla
participação da comunidade caiçara tradicional local, foi partir do pressuposto
de que “a perda ou redução das tradições culturais afeta negativamente a
conservação dos ecossistemas naturais” e que “a manutenção destas culturas é
uma das condições mais importantes para a preservação da diversidade biológica”.
Outro apontamento significativo foi a ineficácia dos
instrumentos de conservação impostos pelo Estado na tentativa conceitual equivocada
de compatibilizar a preservação da cultura caiçara local, através do tombamento
da Vila de Picinguaba, com a preservação da biodiversidade local, através da
Criação do Parque Estadual. Ressaltando que: ”Quanto aos conceitos, três
observações devem ser feitas: que o conceito de Parque exclui o objeto do
Tombamento; que ambos os conceitos pressupõe uma realidade estática; e por fim
que os conceitos não expressam a relação que há entre cultura e biodiversidade,
como se um excluísse o outro”.
Conclui ainda o relatório, “Sem entrar no mérito do direito
do Estado em tornar patrimônio público um modo de vida - a cultura caiçara – (Processo
de Tombamento), é perceptível que suas ações para a conservação da
biodiversidade (Criação do Parque Estadual) desaceleraram, mas não evitaram, o
processo de desaparecimento deste mesmo modo de vida”.
E continua: “Temos que considerar também que a omissão
estatal pode ser uma ação com efeitos retardados e prolongados. Neste sentido,
a proibição pura e simples, sem qualquer alternativa para a população da Vila
de Pincinguaba, pode ter, pelo contrário do que se pretendia, desestimulado
essa população a manter seu modo de vida, e mesmo a se perpetuar no local. Para
um legalista, isto pode aparentemente ser interessante, na medida em que
expulsa gradualmente os habitantes de um Parque, o que iria de encontro com a
legislação dos Parques Estaduais. Mas, se o raciocínio for neste sentido,
estamos a preservar uma área para a ocupação e usufruto de turistas
privilegiados em detrimento dos moradores de direito”.
Esse Relatório documenta primorosamente uma tentativa de
vanguarda que buscou uma mudança de paradigma na forma de gestão de Unidades de
Conservação. Infelizmente, após 25 anos, a situação é praticamente a mesma, a
história, os conflitos e a ineficiência estatal se repete, e enquanto isso, a
cultura caiçara vai desaparecendo. Quando o último portador dessa cultura
desaparecer de vez, aí o Estado e seus patrocinadores poderão comemorar de
dentro de seus condomínios pé na areia, com vista para o mar.
Fotos: imagens retiradas do facebook de Odaury Carneiro, onde infelizmente não foram creditadas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário