Reproduzo aqui um trecho com menos de 5 minutos de uma conversa de uma hora. Quantos segredos, técnicas, habilidades, sabedoria estão contidos nesses 5 minutos... Imagine durante uma vida inteira de apenas um desses Mestres, que dirá de toda uma comunidade, de gerações... Estamos realmente a queimar bibliotecas em nome da modernidade e do preservacionismo ambiental. Preservacionismo esse que hoje reserva áreas naturais e seus recursos para o desfrute da indústria do turismo, e, no futuro, para uso e exploração das grandes corporações. Porque quando o motivo é alegar o desenvolvimento econômico de um país, o PIB ("gerar empregos"), tudo vale (vide a ampliação do porto de São Sebastião, Belo Monte, etc), e quando não existirem mais comunidades tradicionais que vivam nessas, ou dessas, áreas naturais, ficará muito mais fácil justificar o uso dos recursos para o "bem do país" e seu crescimento econômico.
Esta conversa foi gravada com os Mestres Antenor e James, filhos do Zé Gil, um famoso pescador da Praia da Enseada.
Foto: Peter Nemeth, Antenor e James, dois Mestres caiçaras. |
Os pesqueiro Alemão, nós ecolhia antes, por causa de...
quando pegava um peixe bom... então cê marcava ali... então tem toquero grande
sabe, lugar grande esses toquero... que nem esse Carén Carén aí memo, o Carén
Carén ele é um... é quase um cascalho, quase que um parcelzão lá fora, mas tem
buraco que o peixe carregava... é só garoupão memo sabe, em baixo do costão, é... meu pai quantas vez quase virava nóis lá (para embarcar a garoupa na
canoazinha).
Então assim, você mata um peixe que está naquela toca, outro
vem e entra naquele lugar, começa a morar ali também?
Ah é... Eu levei o Ferrão pra pesca lá viu, o Carlos, na...
na Boca da Arraia, ali no coisa, ele afundou veio loco: Nossa Senhora! Nunca vi tanto peixe! Que lugar fundo, mas como tem garoupa, só tem garoupa, só
garoupão! Ficou tão loco, que nem um pinguim, até que matou uma garoupa e correu
de lá por causa da Florestal né... mas lá tem muito. Pesquei co Lagarto uma vez
lá, perdemo linha pra caramba lá. Mas é lugá de garoupão. Cê vê como é que é
peixe, quase encostado na pedra, a canoa bate na pedra né, o costão... é buraco
do costão que vai assim, num é assim, é o final do costão que é lascado. E você
vê, ali num tem mar grosso... porque num... o mar num bate, ela sobe e desce
com a canoa né, vem aquela onda leva lá no costão mas num vai pra cima né, arria de novo... eu tinha um medo de pesca
cum meu pai ali é... papai chegava pertinho, ele remava pra frente, eu remava
pra trás... “Entra, rema seu burro!” (risos) “Tá com medo!”. Naquele tempo não
jogava a poita ele pescava como o remo na mão, sabe Alemão, ele governando cum
a mão ele enfiava lá na craca memo... Ah, quando ajuntava aquele peixe
Alemão... nóis ia andava por cima da pedra... puta que pariu... me fodia cum
ele viu...
E garoupa de quantos quilos que puxava mais ou menos?
Ah, a maior que matô aí foi... de linha, foi né, né 23 quilo,
de linha... de linha, de espinhel matou bastante... mas de 18 de 20 de 11 de 12,
é... todo dia trazia. Eu pescava com linha fina que era pra mantê a despesa,
sabe, pagá a isca, matava marimbá, vermelho, jaguaruçá, garoupinha miúda, e ele
na linha grossa, um dia falei: Pai, dá uma linha dessa grossa pra mim mata um
garoupão desse aí, ele me deu uma linha quase da grossura daquele negócio da
bicicleta, mas era linha de algodão Alemão, você fazia assim... tava pesada...
jogava pra baixo... fazia assim... tava pesada... fiquei só com a ponta da
linha na mão (risos) aí passô uma onda, dei uma ferrada... ele juntou a linha e
foi colhendo linha da minha mão... dobrou aquilo e bateu na minha cara com a
linha, “Cê num sabe pescá cum essa merda, num pesca”... (risos). Porque a linha
fina cê sente, agora a pesada... fica aquele peso... corda de algodão cara...
eu joguei a linha dentro da toca da pedra, ele ficô puto comigo... “Tá vendo...
você num sabe pescá com isso, num pesca”.
Tinha algum tipo de sinal aqui assim de tipo de temperatura
da água, ou alguma maré, que vocês já falavam: Hoje está bom pra garoupa?
Água quente, água quente, molhava a mão, água quente tava
bão, água fria num prestava... água clara né, água clara num presta... água
clara ou água fria num presta... (James: Água fria num presta também, peixe
entoca num sai.) ela só pega em toca de pedra, só dentro do buraco né.
Então é mais no verão né, a pescaria de garoupa?
Não... no inverno também dá água mais quente... É coisa que
eu pesquei sempre com meu pai e nunca procuremo é...lua, nem... vivemo na
pescaria a vida toda Alemão, todo dia... quatro hora da manhã, três hora ele saia
do Portinho toda hora remano e ia embora... nós num tinha nada de lua, num
tinha nada, só o que nós olhava era o Tempo.
Maré tinha, maré boa pra pescar?
Ah é a parte da manhã, Maré Testada né, maré... a parte da
manhã que o peixe come e a parte da tarde... maré cheia é...
Eu pescava cum meu pai numa canoinha, tamanho da... daquela
branca, aquela do Lagarto de lá rapaz, a onda batia molhava nóis, sabe assim, a
gente rodava aquelas Palma de madrugada né rapaz... aquela Ponta de Sul das
Palma é fundo pa caramba. Nóis entrava aqui pelo Leste e saía pelo Sul todo
dia... quanta tromenta peguemo, ficamo lá pra cima da Praia de Leste, pra Praia
do Sul... que num dava pra passá. E que num tinha comido num tinha nada, ficava
assim na seca memo, fudido Alemão.
E comer, vocês não levavam comida, nada?
Ó Alemão, antigamente uma garrafa de café fria, uma garrafa
de café fria... num num tinha garrafa né (térmica), garrafa coisa memo com
rolha de coisa... e tinha veiz que levava resto de comida, farofa uma coisa
assim pra comê né.
Comia na canoa mesmo ou parava?
Comia na canoa memo... que parava nada... meu pai era um
homi Alemão que quando tava pescano, ele fumava no cachimbo... sabe o que ele
fazia pa num botá fogo no cachimbo... ele cortava um pedaço de fumo com a unha
e mastigava cara... pa num perdê tempo de acendê cachimbada... tava comeno arguma coisa, gole de café num
tinha caneca né, bebe na boca assim que nem...
E isca, que isca que vocês levavam?
Isca era bonito, bonito, sardinha, peixe que tinha (James:
panaguaiú, sardinha.) peixe podre que tivesse... O melhor é o bonito, mas tem
que tá meio passado, toda a pescaria assim de garoupa é isca passada...
antigamente não tinha gelo, meu pai enterrava né, enterrava na areia, e no outro
dia de manhã cavucava pra pesca... quando vinha de lá já tava meio podre ele
jogava um bocado de sal pra num perdê né, punha sal e deixava... fidido pa caramba...
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