Mais do que apenas "um peixe", muito menos um mero "recurso" a ser explorado pelo capital, a tainha é na verdade um "serviço cultural", ou seja uma função do ecossistema que influencia aspectos estéticos (as canoas e os petrechos), recreativos (o jogo da pesca), educacionais (o como pescar), culturais (a tradição da pesca) e até espirituais da experiência humana (MEA, 2003, p.77).
O Prof. Antonio Carlos Diegues costuma dizer que "a tainha é um peixe social", e isso pode ser comprovado pelo "frisson" que a expectativa da chegada dos cardumes causa nas comunidades litorâneas desde a Lagoa dos Patos, no sul do Brasil, até o Norte do Rio de Janeiro.
Nem bem termina o verão, os pescadores já iniciam o "preparo" para o tempo frio. Tresmalhos são checados e reformados, as canoas são reparadas e pintadas e sinais dos ventos e do mar são analisados na busca de um prognóstico para a próxima safra de tainhas.
No entanto recentemente, mais uma vez desastrosamente para os artesanais de São Paulo, um novo ator, além do velho conhecido CEPSUL, infiltrou-se nesse roteiro, a portaria interministerial nº 4, legislação feita pelo MPA e MMA.
Regras que promovam o manejo sustentável do "recurso" tainha, são mais do que necessárias, mas o problema é que isso acontece em um ambiente dominado pelo lobby da pesca industrial, cujos sindicatos aceitam todos os limites, cotas e defesos, desde que não diminuam suas capturas. O que acontece então, é que os setores com pouca representatividade, principalmente os artesanais de canoa à remo do litoral norte de São Paulo, saem sempre prejudicados com essas portarias feitas "sob medida" para os interesses industriais. Miranda (et al., 2011) defendem a suspensão da pesca de tainha pela frota de traineiras, e citam que em julho de 2010, apenas uma única traineira “matou” mais tainhas do que o total capturado no mesmo mês pela pequena pesca, em catorze (14) municípios paulistas. Alertam também que em São Paulo nesse mesmo ano de 2010, nos meses de junho e julho, apenas 1,1% das unidades produtivas envolvidas na pesca da tainha, eram de traineiras. Mesmo assim foram responsáveis, realizando apenas 0,4% das descargas, por 50,1% da captura total de tainhas. Demonstram os autores, cabalmente, a imensa desproporcionalidade entre a frota de traineiras e a pequena pesca, resultando em competição desigual, menor disponibilidade da espécie para as populações tradicionais e maiores custos sócio-econômicos e culturais para os usuários desse recurso pesqueiro (MIRANDA et al., 2011: p.17-19).
Traineira chapada de tainha. fonte facebook: No encanto azul do mar. |
O questionamento aqui é o seguinte: qual é o benefício/contribuição da pesca industrial (exceto o lucro concentrado na mão dos armadores), já que o produto final chega nessas condições acima, ao consumidor final (se é que alguém tem coragem de consumir esse peixe podre)?
Enquanto isso, o pescador artesanal de canoa à remo sofre outro tipo de tratamento.
Pescadores da arte Pesca de Tróia, sendo presos na Enseada. Foto: Peter Nemeth. |
Agora essa nova portaria nº 4, que não caracteriza as peculiaridades "endêmicas" das artes de pesca tradicionais do litoral norte de São Paulo, coloca de novo em risco a Pesca de Tróia e os pescadores de canoa. Como a portaria não define a Pesca de Tróia do litoral norte de SP, e cita só a Pesca de Trolha (sinônimo sulista da mesma arte), e também no site do CEPSUL não existe a definição dessa arte, sobra margem para a autuação desses pescadores baseada na discricionariedade dos policiais ambientais. Já que no caso da foto acima, após entrada com pedido de danos morais pela prisão ilegal, o juiz indeferiu o pedido, dizendo que eles praticavam Pesca de Caceio (outra arte de pesca totalmente diferente), e essa pesca seria proibida por outra legislação na proximidade das praias!!?? Injustiça, injustiça e mais injustiça.
CONTINUA... em 2016: http://canoadepau.blogspot.com.br/2016/06/e-preciso-pensarmos-tainha-2.html
IPHAN. (2012).
A pesca da tainha na Ilha do Mel:
territorialidades, sociabilidades e técnicas. Curitiba: Superintendência do
IPHAN no Paraná.
MEA. (2003).
Ecosystems and human well-being: a
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Press.
MUSSOLINI, Gioconda (1980). Ensaios
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de janeiro: Paz e Terra. 287p.
SCHMIDT, C.
B. (1948). Alguns aspectos da pesca no
litoral paulista. p.41., Diretoria de publicidade agrícola –
Secretaria da agricultura do Estado de São Paulo. Separata da Revista do Museu
Paulista, Nova série, vol. 1, 1947, São Paulo, Brasil.
SECKENDORFF,
R. W. von; AZEVEDO, V. G. de (2007). Abordagem
histórica da pesca da tainha mugil platanus e do parati mugil curema
(perciformes: mugilidae) no litoral norte do Estado de São Paulo. Série
Relatórios Técnicos, São Paulo, n. 28: 1-8, 2007. (ISSN: 1678-2283). Disponível
em: ftp://ftp.sp.gov.br/ftppesca/serreltec_28.pdf. Acesso em 06 out. 2010.
MIRANDA, L. V. ; CARNEIRO, M. H. ; PERES, M. B. ; CERGOLE, M. C. ; MENDONÇA, J. T.. (2011). Contribuições ao processo de ordenamento da pesca da espécie Mugil liza (Teleostei:Mugilidae) nas regiões sudeste e sul do Brasil entre os anos 2006 e 2010. Série Relatórios Técnicos (Instituto de Pesca. Online), v. 49, p. 1-23, 2011. Disponível em: ftp://ftp.sp.gov.br/ftppesca/serreltec_49.pdf. Acesso em 22 out. 2015.
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