Para recordar um pouco da força de resistência desse povo espetacular,
indico o primoroso livro de Nicia Guerriero e Xixico,
CARAPIRÁS: entendendo o peixe de Boiçucanga (download aqui).
Abaixo reproduzo um pequeno trecho sobre as Canoas Caiçaras e sua relação com o pescador e a cultura tradicional, mas existe muito mais informação de altíssima qualidade no livro.
Para aqueles que tiverem um mínimo de vivência cultural com os Caiçaras, irá reconhecer imediatamente, costumes, palavras, estratégias de pesca e tradições que são exclusivas desse povo anfíbio, que ainda hoje, resiste.
Foto: Carapirás, Guerriero e Xixico, 1994 |
A canoa, esculpida num tronco só, é um dos meios de locomoção mais perfeitos que existem.
É preciso muita sabedoria para se fazer uma canoa. A começar por escolher a árvore certa, que nunca o canoeiro saiu por aí derrubando qualquer árvore em qualquer tempo.
O canoeiro corta o pau no meio da mata e ali mesmo começa a moldar a canoa. Ele tem que considerar o lado em que ela tomava sol, pra depois não ficar pensa. Tira uma primeira fatia, deixando reta a face que será côncava. Aí cuidadosamente calcula toda a geometria da canoa, riscando na madeira as linhas do corte, com o auxílio de um barbante tingido. Então começa a cavocar, fazendo sulcos diagonais. É muita madeira, são necessários bem uns três ou quatro dias de trabalho brabo até que a canoa tenha começado a tomar forma. Isso se for uma canoa pequena, para uma ou duas pessoas.
Quando a tora já está mais leve, arrasta-se a quase canoa até o rio e pela água se desce até a vila, para continuar o trabalho por aqui. E lá se vão mais alguns dias, moldando, lapidando...
Cada praia tem um feitio de canoa ideal para a forma das ondas do lugar. As canoas genuínas de Boiçucanga são bastante arredondadas, assim como a enseada. Seu Guilherme, Seu Benjamim e Seu Biló, os irmãos canoeiros, desenvolveram um desenho típico para Boiçucanga.
(foto) Canoeiro Benjamim fazendo remo
Hoje, com as leis que protegem as matas, é muito difícil para o canoeiro conseguir a liberação da árvore adequada. A Lei permite trabalhar em troncos que caíram acidentalmente, mas o canoeiro precisa provar à Polícia Florestal antecipadamente, senão corre o risco de ser preso. Tem casos tão complicados, madeiras em lugares tão complicados da Florestal chegar, que acabam estragando.
Houve o tempo das canoas de voga, imensas, dois metros de boca (largura). Eram movidas por seis remadores, auxiliados por duas velas diferentes, usadas de acordo com os ventos. Era o meio de transporte coletivo até a década de 30 e foram substituídas pelos barcos de cabotagem.
Até uns dez anos atrás eram muitas as canoas motorizadas, grandes, com um metro, um metro e meio de boca. Foram sendo substituídas pelos barcos de fundo chato. Hoje a maioria das canoas são pequenas e, do jeito que vai indo, em poucos anos só vendo em museu.
Acredito que a pesca tem que ser mais valorizada, a pesca artesanal tem que ser defendida.
"Pescar é fundamental, a melhor parte da alimentação está dentro do mar. Se o homem perder o conhecimento dos “antigos”, vai demorar muitos e muitos anos para aprender de novo. Esse pessoal antigo aprendeu como pegar o peixe, como preservar, como não deixar acabar. Hoje o homem inventou métodos destruidores”
(Celso de Souza Filho, XIXICO)
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