quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

CANOA A VELA - ESPICHA, TRAQUETE OU MEZENA?

Esses dias, conversando com o meu amigo Mestre Rabequeiro, Mario Gato, um dos principais generais do comando da linha de frente da Resistência Caiçara, ao lado de Élvio Damásio, Julinho Mendes e José Ronaldo dos Santos, comentei com ele sobre o traquete novo que havia encomendado ao Seu Dito da Ilha Vitória, para a minha canoazinha de cedro, LUA.
foto: Peter S. Németh
Feito de algodãozinho foi entralhado com capricho segundo um modelo mental do próprio Seu Dito, que confeccionou o pano com "punho"e "bolso"; o mastro e a verga são de "chile" lá da Ilha mesmo, uma coisa linda.

Então comentei com o Mário Gato que tinha lido seu relato no livro Com Quantas Memórias se Faz uma Canoa sobre a vontade dele reconstruir um "traquete" ou "mezena" para navegar "a pano" como as vogas de antigamente, seguindo no "terralão"até a Ilha Grande.

No relato ele diz que tem anotada toda a descrição detalhada de como construir o pano, recitada para ele pelo Mestre David Alexandrino.
Foi então, nesta conversa em meio ao Fandango Caiçara que descobrí que este modelo de pano que ele tem é o de "vela de espicha" e não o "traquete" e a "mezena", mais comumente citados na região de Ubatuba, que são a "vela quadrada" e a "vela latina" respectivamente.

Curioso é que este tipo de pano é mais comum na Ilha de Santa Catarina, especificamente na Costa da Lagoa, onde belas e incrivelmente velozes competições acontecem entre os canoeiros locais. As corridas de canoa a vela da Costa da Lagoa são incentivadas pela amiga Jackie Goulart.

A vela de espicha permite orçar com mais facilidade o que proporciona uma navegação com maior independência da direção do vento, diferente do traquete que permite apenas navegar com vento "em popa", sendo necessário remar caso o vento mude de direção.
foto: Jackie Goulart

De espicha, traquete ou mezena, a verdade é que "correr pano" ou navegar numa canoa a vela ao sabor do vento e da imaginação é uma das sensações mais prazeirosas e libertadoras que existe. Pura vida, como neste vídeo maravilhoso do meu amigo Adriano Perna, na costa do Bonete - Ilhabela, onde a tripulação é constituída por três safos marinheiros de 5, 7 e 10 anos.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

A CANOA CAIÇARA DE ILHABELA - BONETE

Bela, belíssima, só assim consigo iniciar este texto sobre a Canoa Caiçara de Ilhabela-Bonete.
foto: Rodrigo, 1000dias.com.
Construída através das mesmas técnicas e princípios pautados pelas "25 linhas", que orientam o feitio das Canoas Caiçaras desde o litoral sul fluminense, paulista até o norte paranaense, as Canoas Caiçaras de Ilhabela-Bonete possuem características de design próprias. Estas ligeiras adaptações permitem uma maior sintonia entre a embarcação e as condições ambientais locais de mar, vento e porto. Assim tornaram-se estas canoas "alteiras" de proa para enfrentar ondas grandes, e acrescidas de uma sobreborda aberta em ângulo para que as marolas não entrem pelos bordos. Ficaram esguias, de modo que sua proporção Comprimento / Boca é de coeficiente maior que 7, o que as faz rápidas na água. Ganharam motores de centro, eixo, hélice e consequentemente um leme para governo. Isso fez surgir mais uma peculiaridade nestas flechas do mar, seu uso como um veículo seguro, rápido, confiável e o meio de transporte diário de dezenas de famílias Caiçaras tradicionais que vivem por gerações em praias e costões afastados.
 
Estas comunidades desenvolveram um modo de vida integrado ao ambiente natural em perfeita simbiose, sendo a Canoa Caiçara o principal símbolo de resistência desta população ímpar, frente os avanços da especulação imobiliária, do turismo irresponsável e de um ambientalismo radical que exclui o homem da natureza.
foto: Teresa Aguiar, projeto SSTA.
Esta sequência de lindas fotos mosta as etapas de feitio de uma Canoa Caiçara de Ilhabela-Bonete, desde o aproveitamento de uma árvore tombada pelo vento, até a puxada do "corte de canoa"

 foto: Fabi Bonete, facebook.
Após a puxada, a canoa vai passar pelo acabamento grosso, onde com o enxó o Mestre Canoeiro redefine as linhas da canoa imprimindo sua marca pessoal. Logo depois é feito o acabamento fino onde a sobreproa e a sobrepopa é colada e a canoa é toda lixada.
 foto: Adriano Perna.
A técnica de colocar sobreproa e sobrepopa, permite que a árvore seja melhor aproveitada em todo seu comprimento, caso contrário, se a proa e popa mais altas fossem esculpidas no mesmo tronco, a canoa teria que ser mais curta, mais rasa e mais estreita. Uma solução técnica genial que resulta na Canoa Caiçara de Ilhabela-Bonete sem a "bordadura", mais utilizada na pesca a remo, como vemos na bela imagem abaixo.  

 foto: Adriano Perna.
Caso for necessário maior capacidade de carga ou mais segurança, seja nas canoas a motor, ou nas antigas canoas de voga , será acrescida a "bordadura" ou sobreborda, o que proporcionará mais eficiência para enfrentar as ondas seja em mar aberto ou na saída da praia. Estas bordas altas, que requerem grande habilidade e capricho para serem confeccionadas tornam-se a principal característica das Canoas Caiçaras Boneteiras.
 foto: Adriano Perna.
Vida longa à tradição boneteira! Arrelá!
 foto: Adriano Perna.
 Tradição vem do latim traditio, que significa transmitir algo a alguém.