Trecho do texto CONSIDERAÇÕES SOBRE OS ASPECTOS DE VALORAÇÃO ECONÔMICA DOS SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS ASSOCIADOS AO CONHECIMENTO TRADICIONAL DOS PESCADORES ARTESANAIS. autor Peter Santos Németh.:
Para Moura (2013) “a
conquista dos mares e oceanos pela modernidade, incluindo as ciências modernas”,
são parte de um “projeto colonial” no qual:
(...) força-se a modernidade ao
setor pesqueiro na conquista de territórios marinhos de pesca pelos Estados
Modernos em favor das indústrias de pesca nascentes e em prejuízo da pesca
artesanal, que passa a ser desvalorizada culturalmente e pilhada em seus recursos
materiais. Esta conquista de territórios marinhos de pesca tem sido chamado de modernização capitalista da pesca em
diversos países, inclusive no Brasil, conforme relatado em McGoodwin (1990),
Pálsson (1991), Lalli e Parson (1993), Vandergeest e Peluso (1995), Parsons
(2002) e Roberts (2007). (MOURA, 2013, grifos do autor)
Para Breton e Estrada
(1989, apud CARDOSO, 2001) o Capitalismo ao invés de conseguir dominar o
conjunto dos fatores da produção pesqueira, como fez com “todo o plano da tecnologia; há que conformar-se com um controle e
planejamento parciais dos outros elementos constitutivos das forças produtivas,
ou seja, os recursos haliêuticos como objeto de trabalho e os pescadores como
força de trabalho” (CARDOSO, 2001).
Assim, a extrema
especialização necessária para exercer a atividade pesqueira, ainda garante certa
“liberdade” (DIEGUES, 1983) e autonomia ao pescador, “pois à beira-mar não se
passa fome, por isso nunca vai haver pescador amansado” (NÉMETH, 2010).
Outro ponto vivenciado
foi que o peixe capturado é considerado, pelos pescadores de canoa, como dinheiro em caixa. Chegando na praia, o
balaio de peixes se transforma em dinheiro
vivo, pois a venda é feita diretamente ao consumidor, que muitas vezes está
aguardando o pescador chegar (KANT DE LIMA e PEREIRA, 1997).
Assim o pescador
garante o sustento certo de sua família, proporcionando a experienciação de um
grau de liberdade e autonomia
extremamente elevados. Esse aspecto, o de transformar através do PHT do Mestre pescador, o pescado em
valor econômico, é o mais precioso pois, funcionam o meio natural e os estoques
pesqueiros quase como uma despensa ou um caixa eletrônico de banco, onde o
pescador pode, a qualquer momento, baseado em seu PHT, conseguir o dinheiro suficiente, ou, na pior das hipóteses, o alimento
necessário para a subsistência familiar.
O antropólogo Viveiros
de Castro (2014) em entrevista concedida à revista Piauí, cita o
norte-americano Marshall Sahlins que nos anos 1970 se ocupou da dimensão
econômica de sociedades mais “pobres” que, segundo a visão então consagrada, mal
conseguiam assegurar a própria subsistência com técnicas pouco desenvolvidas e
baixa produtividade. Segundo Viveiros de Castro, o que Sahlins argumentou, “colocando
em questão a santíssima trindade do homem moderno: o Estado, o Mercado e a
Razão, que são como o Pai, o Filho e o Espírito Santo da teologia capitalista”,
é que não fazia sentido, para esses grupos, acumular bens.
Tampouco era lógico produzir estoques,
quando esses estão ao redor, “na própria natureza”. Do ponto de vista dos
caçadores-coletores, não lhes faltava nada. Trabalhar pouco era uma escolha, e
aqueles grupos constituiriam o que o antropólogo chamou de primeira “sociedade
de afluência”. (...) Em vez de símbolo de atraso, a “sociedade primitiva”,
escreveu o antropólogo carioca, “é uma das muitas encarnações conceituais da
perene tese da esquerda de que um outro mundo é possível: de que há vida fora
do capitalismo, como há socialidade fora do Estado. Sempre houve, e – é para
isso que lutamos – continuará havendo”.
(VIVEIROS DE CASTRO, 2014, grifos do autor)
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