terça-feira, 12 de junho de 2018

Entrevistando o Mestre Canoeiro João Francisco - Mamanguá.

PROJETO REGISTRO DA CANOA CAIÇARA: Entrevista nº 01 em 5 de maio 2018
MESTRE CANOEIRO:
JOÃO FRANCISCO DO NASCIMENTO, BAIRRO DO BAIXIO, MAMANGUÁ, PARATY
IDADE: 60 ANOS, CASADO
CONSTRUTOR  DE CANOA CAIÇARA E PESCADOR
Entrevistador: Antonio Carlos Diegues

Inicio da atividade de construtor de canoas com cerca de 20-25 anos, observando o Mestre Leonel, seu primo do Bairro do Cruzeiro em Mamanguá. “Só via ele trabalhá na canoa, mas não perguntava nada.” Depois começou a trabalhar na profissão com o irmão mais velho, seu Acácio, que já sabia fazer a canoa. A primeira canoa foi feita com “timbuíva” com 50-60 cm. de boca.
As madeiras mais usadas eram as de timbuíva, ingá ( a mais usada,  pesada) caquera,  canafístula, jequitibá (para canoas maiores, com motor), guapuruvú ( madeira leve, dura menos que as outras).

Ferramentas usadas: machado, enxó, plaina, arco de pua

Processo de produção:
1.Escolha da  árvore no mato.
2.Derrubada da arvore e desgalhamento, preparo do tronco para a retirada da mata e transporte até o rancho onde se continua o feitio da canoa. O transporte é feito com a ajuda de vizinhos e parentes através do mutirão
3.Nivelamento da parte superior do tronco com machado
4.Colocação da linha de centro, fixada na proa e na popa. Coloca também duas linhas laterais, uma de cada lado, retirando a casca.
5.Prepara o “bergado” ou a “subida“ da proa e da popa.
7.Vira o tronco de bruço e cavuca o miolo do tronco
8.Para medir a espessura faz três buracos no fundo dianteiro, traseiro e meio.
9.O acabamento é feito com enxó e plaina.

Destino da canoa: quase sempre para uso próprio mas pode ser vendida se houver comprador.
Mudanças na profissão.
No Saco do Mamanguá as canoas eram feitas por ele, seu irmão Acácio, seu Tonico do Fundo do Saco, o Ditinho do Baixio. Só o seu João continua, mas somente faz alguma reforma de canoa pois é aposentado e já não tem forças para o trabalho mais pesado de retirada do tronco da mata.

A partir da implantação do “ parque” (Reserva Ecológica da Juatinga) em 1992, a atividade ficou mais difícil pela proibição da  derrubada das árvores pelo órgão gestor(hoje Eneia). “A gente tirava alguma madeira pra canoa, mas ia assustado”. Só era permitido usar árvores caídas ou derrubadas pelo vento, pela idade, mas em geral a madeira já vinha com defeito, partes podres, etc. Até então a maioria das embarcações eram canoas a remo usadas na pesca, canoas bordadas com motor de centro para transporte, baleeiras compradas do sul, barcos a motor de centro e algumas poucas lanchas de alumínio, depois de fibra para transporte de turistas. O modo de vida já estava mudando, o pessoal trabalhando na construção civil e no transporte de veranistas/turistas. A lavoura foi desaparecendo junto com as casas de farinha, sobrando hoje somente uma ou duas. A pesca, apesar de ter diminuído, garante ainda a mistura na comida das famílias e alguma venda para restaurantes locais e visitantes. As mulheres também passaram a  pescar o siri com  as “fisgas” na praia ou com os “covos”, transportados em canoas e deixadas com isca para serem retirados na manhã seguinte. As mulheres também retiram a carne do siri que é vendida a restaurantes, assim como vendem ostras e mexilhões retirados das pedras das “costeiras” e vôngole retirados também pelas mulheres na maré baixa.

Futuro dos mestres e da canoa caiçara: Para seu João a canoa caiçara do Mamanguá tende a desaparecer pois os jovens não se interessam pela profissão e usam cada vez mais as lanchas de alumínio com motores maiores e mais rápidos no transporte de turistas. Alguns desses turistas, no entanto, preferem alugar os barcos de madeira com motor de centro, mais vagarosos mas que permitem apreciar a paisagem durante a viagem.
Pescador do Mamanguá em sua canoa. Foto: Paulo Nogara.


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