Conhecidas por "Florestal", "Força Verde" ou simplesmente "Meio Ambiente" essa força policial fiscalizatória trata os Caiçaras como bandidos.
Transcrevo um trecho da minha dissertação que foca nesta situação específica:
4.7.1. O conflito com o “meio ambiente”
O pescador caiçara tradicional, não difere, nem percebe distinção, entre a própria vida e o ambiente natural em que ele está inserido, e do qual sobrevive.
Para o caiçara, o conceito de “meio ambiente”, possui significado totalmente distinto da concepção urbano-industrial.
O “meio ambiente”, para ele, significa: a polícia florestal e as leis ambientais (MANSANO, 2004: p. 208; DIEGUES, 2008: p.67) que restringem suas atividades tradicionais. É muito comum ouvir entre os caiçaras, expressões como: “O meio ambiente prendeu”, “O meio ambiente proibiu”, “O pessoal do meio ambiente”.
"O profundo respeito e admiração pela natureza dos moradores da Barra do Ararapira não os fazem conservacionistas, pois a palavra é uma invenção nossa e que surge da nossa maneira dicotômica de perceber a natureza separada da humanidade. “Conservar” jamais seria uma palavra usada por eles, pois os mesmos não veem uma natureza possível de ser conservada, já que para eles não é algo estável, parada no tempo, imutável. Como se conserva algo que muda constantemente?" (RAINHO, 2015: p.140, grifo da autora)
Esta “névoa” que envolve o conceito local de “meio ambiente”, causa uma grande confusão quando o caiçara precisa expressar suas ideias sobre “manejo” ou “conservação ambiental”. O conceito de “conservação da natureza”, envolve práticas tradicionais tão arraigadas ao próprio modo de vida local, que os pescadores precisando explicá-las formalmente, confundem-se, contradizem-se, constrangem-se com a necessidade de dominar palavras, para explicar algo tão óbvio do ponto de vista tradicional prático.
"Aquele dia da reunião (Oficina do PEIA: SÃO PAULO, 2008a) mostrando... lembra... A placa que tinha (na Ilha Anchieta)... Mostrô o (nome suprimido) caçando né... lata de skol... Aí eu falei pra ela (gestora): -Isso aí a Sra. mostra né? Isso aí, coisa ruim, a Sra. mostra... Mas a Sra. num mostra que lá na Ilha tem aqueles pé de amendoeira, que faz sombra na frente do presídio, quem plantô foi pescador! Aquilo num nasceu lá não, a Sra. viu? Foi gente que levou... amendoeira, bananeira, coco da Bahia... Quem plantô? Né? Pescador... Pescador num faz o que ela tava mostrando... [...] Hoje a Ilha, Alemão... o que vem de saco de latinha quando desce lá (no píer do Saco da Ribeira), meu Deus do céu... Enche o cais só de saco preto cheio de latinha de cerveja... E a mulher (gestora do PEIA) filma os pescadô né? Que é os pescadô que (estraga)... Viu o monte de lata e garrafa (mostrados na Praia do Sul pela gestora, ao lado do rancho dos pescadores, para justificar a retirada do rancho daquela praia)? É... Mas o que descarrega (de lixo de turista) ninguém filmou, aquele monte de saco preto que só vê barulho, 10, 12 saco, mas assim ó (mostra 1 metro acima do solo) que vem de lá... Isso ninguém filma... É muito (injustiça)... sabe..." (DOS SANTOS, 2014, comunicação pessoal)
Se a pressão da formalidade provoca distorção na comunicação, no entanto, suas considerações baseadas na observação empírica do uso da natureza no dia-a-dia da faina pesqueira, são cristalinos quando apontam quem realmente lucra com o “meio ambiente”.
"O meio ambiente foi bom sabe pra quem? Pros... pros, cara... que vieram pra explorá Ubatuba, assim, Caraguatatuba, todo o litoral, é os grileiro. Então isso foi bom. Então o meio ambiente ele foi bom, pelos (para os) grileiros que apareceram. Mas pela classe que sempre respeitaram o meio ambiente, eles prejudicaram. Que é os pescador... é os antigo... é o roceiro, é o cara que sempre criou o filho com farinha e palmito... entendeu?" (DE GÓIS, 2016, comunicação pessoal)
“Uma xerife arrogante chegou em nosso habitat, cercando o nosso ambiente já veio multando a gente, orgulhosa e indiferente ao costume do lugá... Eiá... Arrelá... Tinha chegado do mar e vi Mariazinha aflita implorando por favor, que não derrubasse a casa e não destruisse a roça que o meu velho pai plantou...
ResponderExcluirTentei mostrar a mansão que um turista alemão construiu pra temporada, mas a xerife não viu o esgoto indo pro rio e mais de mil “arve” cortada...
Depois de ver meu ranchinho que eu fiz com tanto carinho, de pau a pique e sapê,
Sendo logo derrubado junto com tanto passado que eu nunca mais vou esquecê...
Peguei Maria e as criança e voltei pra minha canoa que inda se chama “Esperança”
Mas hoje quando eu voltava de mais uma pescaria, voz de prisão recebia e entrei no camburão. Disseram que a minha rede tava sendo apreendida, minha pesca é proibida e nem quiseram explicação.
Eu quis falar da traineira que pescava a noite inteira alí na Ilha Anchieta, foi como contar piada, em toda a delegacia ecoou uma gargalhada...
E alguém disse: -Vai pra casa! E eu respondi: -Mas que casa? Se sou pescador caiçara e me levaram rede e vara, se sou matuto do mato sem meu rancho e minha roça... não leve a mal Seu Dotô, mas eu sou trabalhadô com idade de ser seu avô! Sou parte desse ambiente que nasceu duma semente que o meu Pai do céu plantou...”
Magoa caiçara de Valter Rubens Santos (Kapopi)
Muito bom! Farei uma postagem em breve com este texto se vc permitir. Abraço!
Excluir