quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Pau de Canoa

Em “Concurso literário Ubatuba 2008 - Antologia, poesia, conto, teatro” editado pela Fundart, no conto “Pau de canoa” de Edgard O. C. Prochaska, página 60, percebemos a importância simbólica da canoa dentro do universo mítico do caiçara:

Mais abaixo um pouco, para os lados do riacho que escorria rumo ao grotão, a claridade desenhou aos olhos de Fabiano a visão de uma grande canoa que flutuava silenciosa por entre a bruma da manhã. Fabiano ficou meio aturdido com aquela aparição, mas era homem de coragem e não dado a espantar-se com coisa pouca. Atirou de lado a capa pra acordar de vez, esfregou os olhos e apanhou do chão o picuá onde, decerto ainda haveria um resto de farofa e um golpinho de café na garrafa arrolhada.
Religioso à sua maneira de ser, sentiu ter recebido um sinal mandado de Deus. Era um pau de canoa perfeito, reto e sem falhas, casualmente poupado pelo machado ou pelo fogo, pelas avalanches ocasionais ou pelos relâmpagos das tempestades que, às vezes, varriam a serra do mar.
...Fabiano respeitava a natureza como se respeita a uma mãe, decerto pelo próprio caráter dele ou por sentimento de proteção às coisas vivas que nos cercam. Sabia que para fazer a canoa, teria de matar a árvore e outro jequitibá igual aquele dificilmente iria aparecer nas próxima gerações. Então ajoelhou-se ao pé do tronco e fez uma reza pedindo perdão ao espírito da floresta e ao jequitibá, pelo que sabia ser necessário fazer. Em seguida ajeitou o facão e gravou com a ponta do metal suas iniciais em três locais diferentes, marcando o tronco e reservando-o como sua propriedade para pau de canoa. Ao terminar a última marca, uma grande gota de resina escapou do talho e tomou a forma de lágrima, enquanto que uma lágrima também escorreu do olho de Fabiano. Dizem mesmo os antigos que conheciam o fato que, naquele momento, criou-se um elo mágico e por isso mesmo aquela canoa seria encantada.”     
foto: Peter Santos Németh

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