segunda-feira, 7 de outubro de 2013

DESOBEDIÊNCIA CIVIL E A TRADIÇÃO CAIÇARA

Para as comunidades tradicionais que vivem sob regras tácitas de convívio social baseadas na reciprocidade e na confiança entre seus pares, não existe nada pior do que desobedecer a um regramento estabelecido.
Todos conhecem os limites do que é permitido ou não na comunidade e as consequências da desobediência.
Nada pior pra quem depende da instituição comunitária, seja para um mutirão ou para a pesca, do que ser banido do grupo. Perde-se o apoio da comunidade, o convívio grupal, fica-se isolado, sozinho. É uma questão simples de sobrevivência, pois isolado, é muito mais difícil enfrentar as duras tarefas diárias.
O mutirão, também conhecido como putirão, puxirão, adjutório ou troca dia, é uma verdadeira instituição Caiçara de imenso valor social e cultural. Através dele congregam-se várias famílias a fim de ajudar numa tarefa ou empreitada penosa de ser feita em solitário e quem solicitou a ajuda faz a "paga" com bebidas, comida e um baile de Fandango Caiçara.
Durante o mutirão seja para a puxada de uma Canoa Caiçara, para o preparo ou limpeza de uma roça, para a colheita ou para o plantio, estreitam-se as relações sociais. A cachaça que injeta ânimo para o esforço físico, também facilita muito a contação de causos e histórias ocorridas em tempos passados, transmitindo assim a tradição oral de uma geração para outra e reforçando os laços e a identidade cultural.
As técnicas e saberes também vão sendo exercidas em conjunto e naturalmente os Mestres vão coordenando os trabalhos, mostrando os nós, dando e executando comandos, respondendo perguntas, explicando os "porquês" e assim a Cultura não escrita, vai sendo transmitida pela oralidade.
foto: Peter S. Németh
Sábado último, dia 5 de outubro de 2013, houve uma roda de prosa em São Paulo, capital sobre o Fandango Caiçara. Estiveram presentes alguns Mestres Fandangueiros de Cananéia representados pela Família Pereira, o Prof. Doutor Antonio Carlos Diegues, do Nupaub-USP, e cerca de 20 jovens pesquisadores e extensionistas focados e engajados política/filosoficamente nos aspectos socioculturais das Comunidades Caiçaras do Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná.
Foi impressionante perceber durante o encontro que nas várias linhas de frente regionais onde os pesquisadores atuam é tema recorrente o impacto negativo da legislação ambiental vigente sobre a reprodução sociocultural Caiçara, a ponto de ameaçar de extinção esse modo de vida que permanece praticamente inalterado desde o século 16.
Questões fundamentais foram levantadas:
1- Um Caiçara que fez uma viagem pra Curitiba notou que "pra lá num tem um pé de pau, só campo de soja..."; se nos 500 anos em que o Caiçara vive na mata, ela ainda existe, pra que ou pra quem foi feita a lei da mata atlântica? Deve ser pro rei da soja ter sua casa de praia com vista pra floresta e um Caiçara, sem de onde tirar tradicionalmente seu sustento, trabalhando de caseiro para ele.
2- RDS e RESEX, que antes eram vistas como uma solução para que as comunidades pudessem formalizar seu modo tradicional de gerir o próprio espaço territorial e os recursos naturais que utilizam, hoje, com a forma "democrática" de instituir as unidades de conservação, "só participam figurão e seus cupinchas... pois o Caiçara não vai largar seu dia de serviço pra ir..." virou uma ferramenta para o especulador mercantilista. (leia)
3- Uma roça Caiçara (e também a maricultura) atrai e sustenta maior diversidade de fauna e na ausência da roça os animais somem e em menos de 10 anos a floresta já está fechada novamente.
4- Uma roça com milhares de pés de palmito Jussara plantada por um Caiçara em sua própria terra não pode ser cortada; mas e se ele "contratar" para a colheita integrantes de alguma etnia indígena, pode? Aliás foi identificado uma espécie de "ciúme" entre o caiçara e o indígena já que embora ambos sejam "tradicionais" perante a legislação, o índio pode tudo e o caiçara pode nada.
5- Perante a Constituição Federal o Caiçara tem o direito de exercer sua cultura, e esse direito lhe é negado pelas diversas leis ambientais. É urgente enfrentar a legislação inconstitucional trazendo juristas para o embate, criando um "marco legal" que garanta ao Caiçara o direito constitucional de exercer sua cultura, já que seus direitos atuais flutuam ao sabor do entendimento de cada gestor de parque. Mudou o gestor, muda o entendimento e muitas vezes as permissões para trocar uma telha, fazer uma coivara, ou dar um peido sequer demoram seis meses. Qual a dificuldade com a tecnologia atual de tablets, celulares com gps e internet de fazer in loco a autorização? Até a Sabesp e Electro imprimem a conta de água ou luz na hora!
6- Desobediência civil talvez seja a forma de protesto que deva ser iniciada face a urgência de uma solução. Não há mais tempo para discussões, fóruns ou reuniões pois está acabando em diversas regiões a última geração de Mestres Caiçaras que ainda lembra, sabe, faz e transmite a Cultura Caiçara.
7- No entanto, o Caiçara tradicional tende a sempre respeitar a lei, mesmo que seja uma regra em desacordo com o seu universo existencial, ou mesmo que ameacem sua própria existência como são as legislações ambientais. Foi relatado o caso de um Caiçara que foi preso por estar com dois palmitos embarcados em sua canoa. Os palmitos foram plantados por ele próprio, dentro do seu quintal e estavam sendo levados como presente para um parente. O Caiçara tentou suicídio na cadeia, pois seu universo cultural de gerações foi pulverizado em segundos.
8- A agilidade em "oficiar" os órgãos ambientais durante audiências públicas, reuniões e afins, também foi citada como uma estratégia eficiente. Houve um caso em que foi utilizada uma impressora e notebook durante uma audiência pública para gerar documentos e abaixo-assinados protocolados como "contraditório" no mesmo instante.
9- Além da desobediência civil proposta, talvez as recentes decisões do IPHAN reconhecendo o Fandango Caiçara como patrimônio cultural imaterial do Brasil e o pedido de registro dos saberes e fazeres da Canoa Caiçara também possam garantir o direito constitucional dos Caiçaras a sua terra, seus recursos e sua cultura, pois o Fandango é o elemento comum que "amarra" e a Canoa é o veículo que transporta, de uma geração até a outra, todas essas manifestações culturais Caiçaras.

O GALO CANTA (Família Gangsters) veja o vídeo clipe
Conquistar o céu
Ver o Sol de outro planeta
Decifrar a natureza
A fonte do segredo está dentro de nós

O homem busca há tanto tempo
O sopro do vento, um passo maior
Seu caminho, atrás de ciência
Perdeu a inocência
Gastou seu suor

Sonhou com o céu,
De cá, da terra

Conquistar o Sol,
De outro planeta ver o céu
Se sentir um grão de areia
Nas diferenças tão iguais

Respeito... para confrontar
Conceitos que nunca vão mudar
Enquanto sobe o concreto
E as luzes para confundir....
O galo canta!

O galo canta
O dia amanhece
O Sol esquenta
Meu jardim floresce.

fontes:
Blog Canoa Caiçara: http://canoadepau.blogspot.com.br/
Ponto de Cultura Caiçaras - Cananéia: http://galerialagamar.matimperere.com.br/
Enciclopédia Caiçara - Nupaub-USP: http://nupaub.fflch.usp.br/
Projeto O Galo Canta: http://catarse.me/pt/projects/674-o-galo-canta

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