Em 2010 pubiquei um pequeno dicionário com cerca de 1.400 palavras que compilei junto às comunidades caiçaras do Litoral Norte de São Paulo, principalmente as de Ubatuba. Junto com o dicionário foi feito um DVD com o o passo a passo da construção de uma Canoa Caiçara.
Chamei-o de Glossário Caiçara de Ubatuba. Seguem abaixo alguns trechos.
“A
peculiaridade do falar caiçara não está só assentada na originalidade dos seus
termos, mas, sobretudo, no gestual, na entonação da voz que acompanha o seu
falar, na sua postura, nas nuanças do olhar.
O
caiçara não apenas fala, ele fala e, ao mesmo tempo, representa.
O
seu falar obedece a um ritual elaborado e desempenhado nos mínimos detalhes.
As
palavras, quase sempre, são proferidas, ora escandindo na primeira sílaba, ora
escandindo na última, produzindo variações sui
generis na entonação da fala.
O
falar do caiçara é um falar cantado, melódico e harmonioso, em sintonia com a
natureza, fazendo contraponto com o marulho das ondas e a musicalidade do
sussurro da brisa, numa suave canção de ninar...” (Enciclopédia
Caiçara Volume II - Falares Caiçaras - Antonio
Carlos
Diegues e Paulo Fortes Filho).
NOTA
Esta pequena compilação
surgiu, em sua maior parte, da convivência diária com a comunidade de
pescadores tradicionais da Praia da Enseada em Ubatuba, litoral norte de São
Paulo.
Este glossário nem de longe
abrange ou pretende alcançar a totalidade do universo de expressões e palavras
usadas no falar característico do povo Caiçara.
É apenas o resultado de
curtos 7 anos de convivência íntima com alguns dos últimos guardiões da antiga
tradição Caiçara local, tradição que hoje se detecta tão somente por este falar
característico recheado de arcaísmos, palavras e expressões forjadas no
linguajar ibérico e tupi, que a nova geração já não usa mais.
É a tentativa de justamente
preservar ao menos alguns ecos do “tempo antigo”, ainda que muito já se tenha
perdido, a fim de registrar, preservar e recompor este modo de vida ancestral,
perfeitamente independente em sua incomparável ligação simbiótica com o mar e a
exuberante natureza do nosso litoral.
Arrelá! Peter, o Alemão. Praia
da Enseada - Outono 2007
CAIÇARA
“Atingimos a caiçara,
uma fortificação semelhante a uma cerca de jardim, feita de estacas grossas e
longas posicionadas em torno do conjunto de cabanas. É usada pra evitar os
ataques dos inimigos”.
(Trecho de: “A verdadeira
história dos selvagens, nus e selvagens devoradores de homens, 1548 – 1555”; de Hans Staden, 1557; tradução Pedro Süssekind, livro 1). Ilustração Vernhagen: não está publicada no Glossário.
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A
À bem dizer – expressão usada para deixar uma opinião bem
clara, significando, melhor dizendo, na verdade, realmente; “À bem dizer, a
culpa foi minha”.
A estrela mudou de lugar – diz-se de
estrela-cadente.
À garné – de qualquer jeito, espalhado; “Não tem onde
por; põe à garné”.
À la sueste – tipo de vento constante que sopra de
sueste quase sempre trazendo chuva fina constante.
A maré torrô – diz-se de maré muito seca.
À rodo – expressão que significa muita quantidade,
“Deu espada à rodo”.
À rola – diz-se do barco deixado à deriva, ao
sabor da maré; “Pescamos à rola”; também significa muita quantidade; “Tem
corvina à rola.”
À sobrepau – modo de se assar a tainha, direto na
brasa sobre galhos de goiabeira verdes ou talos de folha de bananeira, o mesmo
que moquém.
Às canha – ao contrário, com a mão canhota.
Abestalhado - diz-se da pessoa que não se integra ao
grupo, pessoa ruim, um besta.
Abotoar a rede – ato de se prender uma rede a outra ou uma
rede ao rodo de cerco, através do botão de rede.
Abracar – o mesmo que abarcar, abranger, incluir;
“Se abraquemo com aquilo tudo!”.
Abricó – pequeno fruto do abricoeiro, bem redondo
e amarelo, usado como ceva para caçar pacas.
Abricoeiro - árvore de médio porte muito comum no
litoral, cujos ramos com folhas nas festas de junho são lançados numa fogueira
produzindo sonoros estalos.
Abrir água – expressão que significa sair, afastar-se,
ir embora; “O cação sumiu, então a tainha abriu água”.
Aceiro – a faixa de terra limpa de mato, feita
para impedir que a frente de fogo avance.
Acoitar – o mesmo que hospedar, receber visita.
Acostar – o mesmo que encalhar na praia.
Acostumar com a rede – diz-se do cardume que, no cerco à
tróia, se acostuma com o tamanho e posição da rede e não vai na malha; “Tem que
bater a pedra logo se não o peixe acostuma com a rede, fica rodando e não
malha”.
Adonde – o mesmo que onde.
Adormentar – o mesmo que colocar um bordado numa
canoa; “Coloquei um dormentozinho na canoa“.
Adufe – instrumento musical, o mesmo que
pandeiro.
Adular – o mesmo que fazer carinho; “Tá adulando”.
Afeiçoar – talhar ou esculpir algo até o formato
desejado, “Afeiçoei a madeira”.
Afichar – apertar, prender; “Tem que apertar bem se
não, não aficha o nó”.
Afogar – o mesmo que encher d’água; “A canoa já
tava afogando”.
Água leste – correnteza do mar que corre rumo ao
leste, também “águas a leste”.
Água sul – correnteza do mar que corre rumo ao sul,
também “águas ao sul”.
Aguagem grossa - mudança da cor e textura da superfície
d’água ao tremer pela agitação de um cardume de peixe, indica o local e o
tamanho do cardume; “Olha a aguagem grossa que vai lá”.
Agulha de palombá – agulha grande de ferro, meio
arcada, usada para fechar o saco de lona em que se transportava o peixe
seco.